O temporal



O temporal
 Nos dias felizes da infância, observar os desenhos que se autoconstruíam no céu, conforme o deslocamento das nuvens, era uma alegria ímpar. Nada era mais agradável do que passar longos minutos dizendo: “Veja, um cachorro”.... “uma galinha...” “...um navio...” uma surpresa, uma descoberta a cada sopro do vento
Via carneirinhos, borboletas, girafas, elefantes, bichos que nunca havia visto de verdade, apenas nos livros da escola. Animais agigantados, gordos, que se formavam e deformavam, inofensivos, frágeis como nossa própria existência... que desapareciam enquanto outras formas ocupavam seus lugares. Os objetos, os monstros, a floresta, tudo o que era formado por esse material efêmero, maravilhavam-me de tal forma que era constante a minha busca sempre  e mais por essa grande ilusão real ao alcance de meus olhos e de minha mente,  criança que era,  sem opções, recursos, tendo ao meu redor todo o universo, toda a natureza, todos os sons e cores e encantamentos.
Eram 4 da tarde de domingo. A família, que representava o refúgio, o esconderijo contra os perigos conhecidos e imaginários, reunida na varanda, falava de assuntos sérios, que, para mim, não passavam de amenidades: do feijão que estava brotando, do café que  estava florindo, do bezerro que nascera.
Ruidoso e relampejante, como um monstro ameaçador, o barulho crescia e o temporal obrigou-me a me esconder debaixo da mesa, lugar seguro conforme as minhas avaliações infantis. Meus irmãos, igualmente se esconderam no mesmo espaço, e numa atitude inacreditável, demo-nos as mãos julgando assegurar maior proteção. Repentinamente, uma escuridão foi tomando conta do horizonte, aproximando-se rápida, trazendo consigo ansiedade, medo, pavor, desespero. Assustada, sentia os minutos passarem velozes, e a noite, como por mágica, antecipar-se obrigando os adultos a reforçarem as trancas das janelas e das portas,  a se agruparem na cozinha, que era o espaço que parecia mais acolhedor...
Os relâmpagos clareavam o ambiente, o fogão a lenha crepitava e os trovões, como bombas, feriam nossos ouvidos e nos punham em completo pânico.
Dentro de nós, o monstro do medo crescia, e, lá fora, as árvores se retorciam impulsionadas pelos ventos velozes.
Minha avó, cristã de berço, mas supersticiosa em sua vivência sofrida, pegou punhadinhos de sal entre os dedos e lançou sobre as chamas do fogão, desenhando uma cruz. Isso acalmava o meu coração, e  me restituía, se não toda, um pouco da esperança de que não seríamos atingidos pelo raio, nem levados pelo vento...
Como para finalizar apoteoticamente aquele evento, um estrondo acelera todos os corações refugiados ao redor do fogo benzido, e, a certeza de que era o fim, me fez desfalecer. Acordei, segundos, minutos ou horas depois, e fui levada para fora a fim de verificar o grande pé de araucária estendido a um metro da parede de onde estávamos.
Eliana MAR

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