Viva e depois esqueça


A capacidade de esquecer é o que existe de mais precioso sobre a face da terra, sob as nossas faces. Amar é sem dúvida mais magnânimo, mas não é tão vital quanto o esquecimento: é ele que nos mantém vivos. O amor torna a paisagem mais bonita, mas é o bálsamo curativo do esquecimento que nos faz ter vontade de abrir os olhos para vê-la. A paixão empresta um sentido quase mítico aos dias, mas é esquecer da excruciante tristeza perante a morte dela que nos torna aptos para nos encantarmos novamente. Já esqueci amores inesquecíveis e sobrevivi a paixões que, tinha convicção, me matariam se terminasse. Às vezes cruzo na rua com fantasmas que já foram bem vivos na minha história e não deixo de sentir uma certa melancolia por perceber que aquele rosto um dia cheio de significado se tornou tão relevante quanto um outdoor de pasta de dente, por não conseguir sequer recordar o que me moveu em direção a ela: algumas pessoas simplesmente são apagadas da memória como filmes desimportantes. Sem maldade, apenas esmaecem até desaparecer. É impossível nos lembrar de todos os que passaram por nós ou sermos lembrados por todos: gente demais, espaço de menos. Da mesma forma que minha história está repleta de coadjuvantes e figurantes que, irrefletidamente, se auto proclamam protagonistas (e hoje foram reduzidos a um punhado de reminiscências engraçadas), eu devo ser personagem cômico da história de alguma ex: ninguém esquiva da experiência constrangedora de bancar o bobo da corte no reino de alguém.
Mas essa morte não vem sem um certo pesar. É ruim notar que já não significamos praticamente nada para quem importou tanto. Na verdade é dolorido ser olvidado por qualquer um (golpes no ego doem, independentes de quem os defira): não é fácil encarar que não somos insubstituíveis nem vitais e que a nossa saída displicente abre uma possibilidade de entrada tão desejada por outros. Mas só nos desenroscamos e seguimos nosso rumo natura, em frente, quando eliminamos alguns fatos e seres que, caso contrário, nos prenderia aos emaranhados aguapés de recordações e sentimentos tão marcantes quanto inúteis.
“Há pessoas que ficam doendo com a lembrança de outra pessoa, entra ano, sai ano, virando e revirando o caleidoscópio, olhando como caem e se dispõe as cores e os cristais do sofrimento”.(Paulo Mendes Campos). O passado deve ser mantido no lugar dele e não trazido pregado as costas como um fardo com os erros cometidos e alegrias nunca mais revividas. Para ser feliz é necessária pouca coisa além de se livrar do excesso de carga e esquecer as coisas certas. É inútil também jamais perder de vista um detalhe, afixa-lo no espelho do banheiro, repetir como um mantra: absolutamente nada é para sempre, nem sentimento que parecem ser (a vida seria um lago estagnado se só existisse o perene). Nunca mais haverá amor como aquele? Ótimo, porque o novo é tão imenso que seria um disperdício se algo se repetisse. Todo mundo passa. E é bom que seja assim.
(Ailin Aleixo)

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