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O cão sem plumas

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O cão sem plumas - João Cabral de Melo Neto I. Paisagem do Capibaribe A cidade é passada pelo rio como uma rua é passada por um cachorro; uma fruta por uma espada. O rio ora lembrava a língua mansa de um cão, ora o ventre triste de um cão, ora o outro rio de aquoso pano sujo dos olhos de um cão. Aquele rio era como um cão sem plumas. Nada sabia da chuva azul, da fonte cor-de-rosa, da água do copo de água, da água de cântaro, dos peixes de água, da brisa na água. Sabia dos caranguejos de lodo e ferrugem. Sabia da lama como de uma mucosa. Devia saber dos polvos. Sabia seguramente da mulher febril que habita as ostras. Aquele rio jamais se abre aos peixes, ao brilho, à inquietação de faca que há nos peixes. Jamais se abre em peixes. Abre-se em flores pobres e negras como negros. Abre-se numa flora suja e mais mendiga como são os mendigos negros. Abre-se em mangues de folhas duras e crespos como um negro. Liso como o ventre de uma cadela fecunda, o rio cresce sem nunca explodir. Tem, o

Pe Antônio Vieira.

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Helena Kolody

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toi qui manques a ma vie

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O poder da validação

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Todo mundo é inseguro, sem exceção. Os super-confiantes simplesmente disfarçam melhor. Não escapam pais, professores, chefes nem colegas de trabalho. Afinal, ninguém é de ferro. Paulo Autran treme nas bases nos primeiros minutos de cada apresentação, mesmo que a peça que já tenha sido encenada 500 vezes. Só depois da primeira risada, da primeira reação do público, é que o ator se relaxa e parte tranqüilo para o resto do espetáculo. Eu, para ser absolutamente sincero, fico inseguro a cada novo artigo que escrevo, e corro desesperado para ver os primeiros e-mails que chegam. Insegurança é o problema humano número 1. O mundo seria muito menos neurótico, louco e agitado se fôssemos todos um pouco menos inseguros. Trabalharíamos menos, curtiríamos mais a vida, levaríamos a vida mais na esportiva. Mas como reduzir esta insegurança? Alguns acreditam que estudando mais, ganhando mais, trabalhando mais resolveriam o problema. Ledo engano, por uma simples razão: segurança não dep

Cecília Meireles

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Horas rubras

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Horas rubras Horas profundas, lentas e caladas  Feitas de beijos rubros e ardentes,  De noites de volúpia, noites quentes  Onde há risos de virgens desmaiadas...  Oiço olaias em flor às gargalhadas...  Tombam astros em fogo, astros dementes,  E do luar os beijos languescentes  São pedaços de prata p'las estradas...  Os meus lábios são brancos como lagos...  Os meus braços são leves como afagos,  Vestiu-os o luar de sedas puras...  Sou chama e neve e branca e mist'riosa...  E sou, talvez, na noite voluptuosa,  Ó meu Poeta, o beijo que procuras!  Florbela Espanca, in "Livro de Sóror Saudade"